22 de junho de 2020
O que está do outro lado do túnel para o Mercado de Saúde Suplementar?
O mercado de saúde suplementar já vinha apresentando há algum tempo, globalmente, mas principalmente no Brasil, os reflexos das limitações do seu modelo atual. O aumento de custos, o aumento da necessidade de investimentos, a falta de correlação custo com a qualidade do desfecho, vinham colocando em xeque o modelo “Fee for Service” e as relações entre pacientes/clientes, prestadores e operadoras de saúde, isso, sem entrar em outra difícil discussão, que é a saúde pública. Apesar de toda essa pressão, tínhamos ainda um mercado em expansão, atrativo para investimentos, fusões e aquisições.
E aí, veio a pandemia pelo covid-19…
Altamente contaminante, com uma mortalidade e letalidade longe de ser desprezível, acarretando medidas de isolamento, ou distanciamento, social e deterioração da economia, o covid-19 trouxe um desafio sem precedentes e sem modelo para ser seguido.
O mundo parou, tudo se modificou. Se o mundo e os negócios vão sair diferentes ao final desta crise – porque ela vai passar – as mudanças na saúde também ocorrerão, talvez de uma maneira ainda mais acentuada.
Qual a situação atual – o que encontramos no túnel?
Como regra, os prestadores de serviços de saúde estão experimentando perda de receita, principalmente durante o período mais agudo das medidas de distanciamento, e perda, ainda mais importante, de lucratividade.
Nos Estados Unidos dados sugerem uma perda das operações hospitalares de U$50 bilhões ao mês, e o quadro dos prestadores hospitalares no Brasil não é diferente. Com as limitações de internações e cirurgias eletivas, a maioria dos hospitais está com suas taxas de ocupação baixas, com esta ocupação quase que restrita a casos de COVID19 ou emergências, sendo reportado uma média de 50% de diminuição de receita. Os grandes grupos de Medicina Diagnóstica listados na B3, em seus relatórios do 1o trimestre, que foram atingidos por apenas 15 dias de pandemia, já reportam diminuição importante do volume de clientes e de receita. Este quadro deve se agravar muito para o 2.o trimestre. E ainda pode ser necessária uma recrudescência do distanciamento…
O problema dos prestadores se agrava quando se avalia um aumento nos custos de insumos e uma capacidade limitada de ajuste dos custos fixos. Medidas de ajuste de pessoal permitidas pela nova legislação trabalhista, fizeram que muitos deles cortassem a folha de pagamento em 25% (diminuição temporária da remuneração e carga horária), além de estratégias de diminuição da força de trabalho (que traz seus custos no curto e no longo prazo). Este cenário é ainda pior para prestadores menores ou fora dos grandes centros.
A queda na receita e o aumento relativo, e absoluto, de custos, leva a uma deterioração importante dos resultados e pior ainda, do caixa. Os grandes grupos estão captando recursos no mercado através de empréstimos e emissão de debêntures para reforço do caixa disponível, aumentando seus índices de endividamento, mas esta solução não está disponível para todos e pode ocasionar dificuldades e solução de continuidade das operações.
Os fornecedores, principalmente os de insumos e materiais, tem o reflexo direto da diminuição de utilização de seus elos a jusante da cadeia de valor da saúde. Apesar de se observar um aumento no custo de parte destes insumos, em especial aqueles ligados a estrutura de atendimento dos pacientes com covid-19, o ganho de margem não parece ser suficiente e sustentável e para dirimir as consequências da diminuição da utilização de seus produtos durante o período de crise.
Enquanto isso, as Operadoras de Saúde encontram desafios diferentes de acordo com sua organização: Seguradora, Medicina de Grupo, Autogestão e Cooperativa. Parece haver, de uma forma geral, uma diminuição temporária da sinistralidade, menor custo ambulatorial, menor custo de medicina diagnóstica, menos cirurgias e procedimentos eletivos. Mesmo o custo das UTIs covid-19 é proporcionalmente menor, já que a utilização de OPME (insumos de alto custo) é proporcionalmente menor. Vale a pena uma pequena reflexão aqui sobre a reversão da teórica vantagem financeira (motivo de outra discussão em outro momento) das operadoras fortemente verticalizadas, pois terão que lidar com um custo fixo que as operadoras, como as seguradoras, que compram serviços de prestadores não terão. Mas considerando o quadro geral, as operadoras devem ter, no curto prazo, um desempenho financeiro mais protegido. O problema está no futuro…
O que nos espera com o fim ou controle da Pandemia – o que está no fim do túnel?
De acordo com a Teoria do Caos, sistemas complexos e dinâmicos que apresentam um fenômeno fundamental de instabilidade chamado sensibilidade às condições iniciais, tornam-se imprevisíveis no longo prazo. Mesmo assim, nós, e o mercado, tentamos…
Não parece provável, que exista um a curva em “V” que compense no curto e médio prazo, a diminuição de utilização dos recursos na Saúde Suplementar (mesmo que a flexibilização do distanciamento social consiga ser mantida), pelo menos sem uma intervenção muito bem planejada e estratégica.
Podemos ressaltar alguns pontos, que acreditamos que devam ser considerados, também num prazo mais longo:
I. Risco de limitação da capacidade instalada e da limitação de investimento em expansão da rede após covid-19. Neste cenário, não será possível recuperar os meses perdidos, pois a maioria dos serviços prestados não tem capacidade de aumentar, na proporção da perda, sua capacidade de atendimento em condições normais. O número de aparelhos, salas cirúrgicas, leitos de hospital, não teria capacidade de se ajustar agudamente para atender os volumes represados. Além disso, também temos a limitação de pessoal, médicos, enfermagem, técnicos, especialistas etc., são recursos humanos limitados no Brasil (mão de obra qualificada).
II. Pelos modelos de gestão da saúde/doenças vigentes no Brasil, parte desta demanda existente, como em outros setores de serviços, não existirá mais. Chamaria isso de “ajuste forçado do desperdício de recursos da saúde”. Parte dos pacientes terá melhora ou atenuação “espontânea” ou resolvida com os recursos disponíveis.
III. As iniciativas de limitação de desperdícios, a organização e integração dos elos da cadeia da saúde, os novos modelos de remuneração (pacotes, captation etc.) deverão ser cada vez mais frequentes, e ainda, deve diminuir o ritmo de crescimento dos índices de utilização. As empresas terão que se preparar para este novo mercado.
IV. Também podemos esperar uma desorganização do setor, com estruturas sem investimento neste período ou mesmo sem condições financeiras para operar, ao final da crise, o que deve restringir qualidade e oferta de produtos e serviços .
V. A adoção de novos hábitos de consumo dos serviços de saúde deve vir para ficar. Interações dependentes de tecnologia, acesso expandido e excêntrico, com complexidade concêntrica interligada e interrelacionada (matéria para outra boa conversa…), telemedicina, atenção primária coordenada, devem estar no desenho táticos das empresas de saúde e serão exigidos pelos “stake-holders”.
VI. No cenário de demora para uma solução definitiva para o covid-19 (vacina, medicamentos efetivos, população imunizada) haverá aumento de custo pelos cuidados com a disseminação do vírus (medidas preventivas de contágio para pacientes, clientes, pessoal) e limitação da capacidade de atendimento.
VII. No curto prazo, com a crise econômica que se instalou e o desemprego decorrente, haverá saída de vidas da saúde suplementar, com diminuição da base de clientes, além de downsizing nos planos. O benefício de saúde disponibilizado para o emprego formal é responsável cerca de 70% do mercado da saúde suplementar. Empresas de quase todos os mercados sofrerão antes da retomada do crescimento e desempenho financeiro e não poderão arcar com aumentos de custos na sua folha de pagamento decorrente do crescente custo-saúde.
Poderíamos ir adiante, pois existem ainda muitos pontos importantes e cada um deles se desdobra em muitos, mas por ora vamos ressaltar estes aqui expostos.
Como sobreviver novo cenário num mercado em mutação – a “bitola” do trilho será diferente?
Acreditamos que a velocidade dos processos de mudança vai aumentar. As empresas precisarão estar preparadas para os novos modelos de engajamento nos elos da cadeia da saúde e para os novos modelos de relacionamento (com clientes, com fornecedores e operadoras de saúde).
Haverá necessidade de investimentos. Este é um mercado de capital-intensivo e além dos investimentos em equipamentos médicos, que podem ser eventualmente postergados, o investimento em sistemas, conectividade e tecnologias de otimização de contato e comunicação, de gestão, e principalmente, de produção e de produtividade, terá que ser programado, e deverá ser no curto prazo. Uma vez que os recursos financeiros são finitos, que a capacidade operacional instalada é limitada, estratégias de aumento de produtividade tem que ser adotadas para diminuição do custo da retomada do volume. O aumento de produtividade deverá vir além de novos desenhos operacionais, e também do investimento na implantação de sistemas de gestão e otimização desta operação.
Investimentos sem pessoal para operação é desperdício. Uma vez que a mão de obra especializada é limitada, as empresas terão que assumir parte da responsabilidade de capacitação diretamente, ou buscando parcerias educacionais.
No cenário que acreditamos acontecer, as oportunidades para aquisições e consolidações do mercado se multiplicação e devem ser aproveitadas pelos dois lados. As empresas e grupos que conseguirem ter resiliência e se sustentar neste período terão oportunidade para absorver grande parte desta demanda e podem potencializar esta situação se tiverem e capacidade de investimento e estratégia (e caixa) para aquisições. De outro lado, as empresas de nicho, menores, ou que tiverem maior problema de caixa, precisam planejar e ter estratégias de saída, desinvestimento e eventual venda de suas operações. Caso não haja recuperação financeira e estas empresas não recuperem suas capacidades operacionais e de investimento, o seu valor decairá progressivamente. O tempo não estará a seu favor.
Gostaríamos que houvesse espaço para existência de grandes e pequenos players. Aqueles que conseguirem gerir o caixa, planejar investimentos e entender que precisam participar das soluções para este novo modelo de mercado, sobreviverão.
Artigo Dr. Wilson Pedreira, Health Solutions Associate Partner.